top of page

Sobre o Projeto e Depoimentos dos(as) Fotógrafos(as) Participantes

O PROJETO

O Projeto RUPTURA nasceu da inquietação de um grupo de fotógrafos e fotógrafas com a situação dos bairros afetados pelo afundamento do solo, proveniente da exploração de sal-gema pela mineradora Braskem e, especialmente, pelo drama que vive os moradores atingidos por essa tragédia socioambiental.

É uma gente simples, de baixo poder aquisitivo, em sua grande maioria, que é obrigada a deixar suas moradias e suas estruturas de vida por consequência de décadas de atividade mineradora, que hoje se sabe aconteceu sem o devido acompanhamento do poder público.

A pandemia do novo Coronavírus acabou por invisibilizar essa problemática que avança e envolve os bairros do Pinheiro, Bom Parto, Mutange e Bebedouro, em Maceió/AL, com uma população estimada em torno de 40 mil pessoas.

Esta página traz doze Olhares, cuja abordagem foi completamente livre, num movimento de oferecer ao observador dessas fotografias a possibilidade de interagir, de alguma forma, com essa conjuntura que nos afeta a todos que queremos um planeta ambientalmente equilibrado e uma sociedade respeitada em seus direitos. 

 

OS DEPOIMENTOS 

ANA PAULA DA SILVA

Sou grata pelo convite a participar do PROJETO RUPTURA como fotógrafa e moradora atingida pelos problemas causados pela BRASKEM, pois, assim posso expressar meus sentimentos de revolta e de tristeza ao ouvir pessoas ansiosas e temerosas por terem que sair de seus lares para a incerteza da indenização. Nas casas vazias e destruídas por onde andei vi recados nas paredes que constatavam a revolta. O sentimento de luta tomou conta de mim, casas simples e mansões eram de famílias, de vidas formadas naquele espaço de tijolos e cimento. Parecia que eu estava invadindo suas intimidades ao tempo em que me dei conta de que não havia mais vida ali, só restos de sonhos, de alegrias que ficaram espalhados em cada canto, em cada casa rachada. 

ANDRÉA GUIDO

Se há uns três anos me dissessem que o meu bairro – Pinheiro - estaria como está hoje eu não acreditaria. Andar pelas ruas do Pinheiro, Bebedouro, Mutange e Bom Parto assemelha-se a percorrer uma cena de guerra. Casas e ruas rachadas, prédios sendo demolidos, pessoas saindo dos seus imóveis em plena pandemia, incertezas quanto ao perigo para quem fica e sobre a indenizações para quem sai, comércios sem clientes, ruas sem vida, danos emocionais, histórias deixadas para trás... Por todas essas razões, fazer parte desse projeto é, sem dúvida, um grito de imagens reais para que todos possam ver o que está acontecendo. A fotografia tem esse poder, afinal, como bem disse Boris Kossoy “fotografia é memória e com ela se confunde, é fonte inesgotável de informação e emoção”. Memória, informação e emoção é o norte do PROJETO RUPTURA. 

 

ARTHUR CELSO

Fotografar o drama das pessoas dos bairros atingidos pela ganância da exploração mineral é, para mim, uma obrigação. Um dos motivos que me fez ser fotógrafo é a empatia pelo próximo.  Esse foi o trabalho fotográfico mais difícil de fazer, pois não é somente fotografar rachaduras, é traduzir sentimentos em imagens, é entrar na vida das pessoas, em muitos casos, no pior momento da vida delas. Senti-me pela primeira vez, num ambiente de guerra, uma guerra motivada pelo lucro.

CARLOS DOS ANJOS

Ruas vazias, um silêncio angustiante, muros derrubados, janelas quebradas, lembranças de uma vida deixada para trás. A descrição remete a um cenário de conflito e é exatamente como se encontram as áreas atingidas pela extração indiscriminada e criminosa do sal-gema em Alagoas.

 

As rupturas não estão apenas nos imóveis. As rupturas estão nas famílias que foram obrigadas a sair de suas casas, nas lembranças deixadas pra trás, na história da cidade. As rupturas revelam o descaso com a população, revelam o tamanho do impacto que o mau uso dos recursos naturais pode causar.

DETH NASCIMENTO

Impossível visitar as áreas afetadas e não se sentir abalada com tanto estrago. Percorrer os imóveis abandonados e tentar mensurar o impacto que esta tragédia causou na vida dos moradores. Encontrar objetos deixados para trás e, através deles, tentar construir vidas destruídas.

DILMA DE CARVALHO

Participar do PROJETO RUPTURA oportunizou-me, como ser humano, sentir que não são somente casas (humildes ou ricas) que estão sendo apagadas do mapa de Maceió; são, também, vidas que perdem agora sua história, suas memórias, seu sentimento de pertencimento a algum lugar. São vidas desenraizadas, desterradas pelas rachaduras daqueles lares. É minha infância e adolescência desmoronando com os prédios do Divaldo Suruagy, onde por muitos anos festejei o São João e descansei na casa de ROBERTO BECKER, com a pracinha do Jardim Acácia, onde tantas noites prolonguei minha conversa e vi nascer a principal banda de rock trash metal de Alagoas, a MORCEGOS; Pinheiro onde me iniciei católica e pela CJN (COMUNIDADE JOVENS DE NAZARÉ) comungava com os da IGREJA MENINO JESUS DE PRAGA e fazia retiros espirituais no COLÉGIO BOM CONSELHO, em BEBEDOURO, que também não existirá mais, assim como não existirão as MISSAS DO GALO e a presença da lembrança do CÔNEGO FERNANDO IÓRIO e por aí vão se perdendo tantos outros espaços físicos que a ganância humana pelo poder do dinheiro e da política má aplicada ao bem comum impõe ao cidadão de bem.

LUTO – porque para mim esse não pode ser somente um substantivo. É, diante dessa realidade, o verbo que com minha fotografia quero ver imperar a JUSTIÇA por essas histórias.  

DUCY LIMA

Colaborar com o PROJETO RUPTURA está sendo uma experiência difícil, por presenciar a desumanidade em forma de desterro e ao mesmo tempo muito gratificante, por poder usar a fotografia para dar visibilidade ao descaso que a população dos bairros atingidos pelas rachaduras decorrentes da extração da sal-gema vêm sofrendo. Tenho o intuito de sensibilizar a sociedade para que a justiça seja feita.

FRANCISCO OITICICA

Desde o início da década de 1980, ouvia críticas à implantação da indústria de exploração do sal-gema no Pontal da Barra, bairro litorâneo da cidade de Maceió, Alagoas. Argumentava-se a favor tendo em vista a geração de empregos e a necessidade de modernização do parque industrial alagoano. Por causa dessa escolha, o crescimento urbano da capital foi deslocado para a porção norte da capital, ao invés de seguir a direção do seu antigo Centro, que acabou meio esquecido, assim como também desocupadas ficaram aquelas praias.

Depois, veio o problema dos vazamentos, e eu me lembro de ter passado, olhos ardendo, sem respirar, pela faixa de terra que ficava por trás das indústrias envolta numa nuvem amarela, risco de vazamento que levou à transferência das construções naquele trecho, a exemplo do Clube Motonáutica.

Agora, os desabamentos. Não esperava por esse desfecho. Hoje, parece óbvio que o subsolo escavado acabaria cedendo, e fosse levado consigo o que estivesse por cima. Até mesmo a lagoa se inclinou num verdadeiro cataclismo, desastre vivido especialmente pelos moradores dos bairros tradicionais de Maceió atingidos, que tiveram de deixar as suas casas, lojas e apartamentos e mudar à força de vida, cujos efeitos ficarão para sempre impressos na abalada história da cidade toda.

ITAWI ALBUQUERQUE

Sou grato por fazer parte do PROJETO RUPTURA, pois, vivenciei grandes momentos da minha vida no bairro Pinheiro e região. Durante o processo de captura das imagens pude dividir da mesma tristeza ao lado de membros do grupo que ali, um dia, moraram. Foi triste e revoltante sentir o silêncio, ver a destruição das casas e de toda a comunidade. Fiz meus registros, mas era fácil concluir que nenhuma fotografia ou qualquer outro artifício seria capaz de traduzir tamanha consequência que resultou no caos. Mas, sabia que minha missão de fazer aqueles últimos registros daquele lugar especial iria além da fotografia. Pois, essas imagens ficarão em exposição pública e como numa cerimônia fúnebre, o falecido bairro será exposto pelas ruas para permitir que parentes, amigos e outros interessados possam honrar sua memória antes do seu sepultamento.

Meus pêsames, saudades eternas!

JORGE VIEIRA

Fotografar as áreas afetadas pelo afundamento do solo provocado pela extração de sal-gema da mineradora Braskem, gera em mim um misto de tristeza, indignação e revolta, numa ‘costura’ de solidariedade com as pessoas atingidas.

No que a câmera registra escombros, vejo histórias violentadas, sonhos desfeitos, vidas esvaziadas.

As rachaduras que dividem o solo e destroçam as moradias, também quebram a dignidade de uma gente tratada aos empurrões em deixar seus lugares para trás.

O projeto RUPTURA me possibilitou estabelecer mais uma vez conexão com esse drama humano que todo maceioense deve tomar como seu.

Minha solidariedade a essa gente que merecia levar suas vidas conforme seus sonhos e vontades.

JOSIAN PAULINO

Fiquei bastante comovido ao receber o convite do Jorge Vieira para participar do PROJETO RUPTURA, tenho construído uma relação com as consequências da tragédia que atingiu a região do Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto, pois em 2019 havia participado de um outro projeto com a mesma temática. Voltar a esses locais um ano depois e testemunhar o vazio que tomou conta da paisagem urbana foi avassalador. As pessoas que conheci já não estavam lá, das casas que visitei no Mutange só restaram seus esqueletos, como cadáveres deixados ao relento, como ruínas de uma zona em guerra. Exercitando o meu olhar fotográfico tentei captar um pouco do que ficou, aquelas ruas e casinhas coloridas que me remetem aos quadros de Tarsila do Amaral, ainda guardam as memórias das famílias que viveram ali. É uma honra expor meu trabalho ao lado de grandes fotógrafas e fotógrafos de Maceió que admiro tanto. Gostaria de agradecer a oportunidade de participar desse trabalho coletivo tão lindo!

RAFAEL DUARTE

Participar do PROJETO RUPTURA representa uma experiência poderosa e marcante. O silêncio e a tristeza dentro daquelas residências chegam a ser palpáveis, quase sólidos como as paredes que ainda estão em pé. 

Olhar aqueles restos de tantas vidas e tantas histórias faz duvidar da justiça e temer o tamanho da ganância do ser humano.

bottom of page